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sexta-feira, 1 de abril de 2016

Você está abatido?


Bertolt Brecht


Você está abatido?
Levanta-te!

Você pensa que está perdido?
                                                      Ao combate!

Você se considera um desgraçado?
                         É o momento de marchar!

Os vencidos de hoje serão os vencedores de amanhã.
E o “jamais” se transforma em: HOJE!

sábado, 9 de maio de 2015

Apelo em apoio da Grécia que resiste e à sua Comissão pela Verdade sobre a Dívida Pública Grega

Pelo direito dos povos a auditar a dívida pública

4 de Maio
Aos povos da Europa e do mundo! 
A todos e todas os que rejeitam as políticas de austeridade e não aceitam pagar uma dívida pública que nos estrangula, que foi contraída sem nós e, contra nós.
Nós, signatários deste apelo, estamos junto do povo grego que, depois do seu voto nas eleições gerais de 25 de janeiro de 2015, é o primeiro povo da Europa – e no hemisfério norte - a repudiar as políticas de austeridade aplicadas em nome do pagamento de uma dívida pública contraída pelos de cima, sem o povo e contra o povo. Ao mesmo tempo, consideramos que a criação da Comissão pela Verdade sobre a Dívida Pública Grega, por iniciativa da Presidente do Parlamento grego, constitui um acontecimento histórico de fundamental importância, não só para o povo grego, como também para os povos da Europa e do mundo inteiro.
O problema da dívida é uma verdadeira peste que se abate sobre quase toda a Europa e não só
Na realidade, esta Comissão, composta por cidadãos e cidadãs voluntários chegados de toda a parte, sem dúvida estimulará iniciativas semelhantes em outros países. Em primeiro lugar, porque o problema da dívida é uma verdadeira peste que se abate sobre quase toda a Europa e não só. E ainda porque muitos milhões de cidadãos e cidadãs colocam, com redobrada razão, perguntas elementares mas fundamentais sobre a dívida:
Que se passou com o dinheiro dos empréstimos? Que condições lhes estão subjacentes? Que juros já foram pagos, a que taxas e que parte do empréstimo já foi reembolsada? Como se acumulou a dívida sem que isso tenha beneficiado o povo? Que destinos foram dados aos capitais? Para que serviram? Que parte foi dispersa, por quem e como isso aconteceu?

E também:
Quem pediu emprestado e em nome de quem? Quem emprestou e qual foi o seu papel? Como foi conseguido o envolvimento do Estado? Quem decidiu e como foram tomadas as decisões? Como se converteram em “públicas” as dívidas privadas? Quem impulsionou projetos inadequados e inúteis, quem contratou, quem foi beneficiado com eles? Foram cometidos delitos ou crímes com esse dinheiro? Por que não se formalizam responsabilidades civis, criminais e administrativas?

Todas estas peguntas vão ser analisadas de forma rigorosa pela Comissão criada por iniciativa da Presidente do Parlamento da Grécia e cujo mandato oficial postula a compilação de todos os dados relacionados com o surgimiento e o desmesurado aumento da dívida pública, para submissão a minucioso escrutinio científico com o objetivo de definir que parte se pode identificar como dívida ilegítima, ilegal, odiosa ou insustentável. E isso, tanto durante o período dos Memorandos, entre maio de 2010 e janeiro de 2015, como em anos anteriores. A Comissão também deve publicar informações claras e acessíveis para todos os cidadãos, realizar declarações públicas, facilitar a tomada de consciência da população grega, assím como da comunidade internacional e a opinião pública internacional, e, finalmente redigir argumentações e propostas relativas à anulação da dívida.
Consideramos que constitui o mais elementar dos direitos democráticos, para qualquer cidadão ou cidadã, a colocação destas perguntas e obter respostas claras e precisas às mesmas. Entendemos que a recusa de respostas pressupõe uma denegação de democracia e uma recusa de transparencia por parte dos de cima, que inventaram o “sistema-dívida” para enriquecer os ricos e empobrecer os pobres. Ainda mais grave: consideramos que, ao monopolizar o direito de decidir sobre o destino da sociedade, os de cima privam a imensa maioria das cidadãs e cidadãos não só do seu direito a decidir e, sobretudo do direito de assumir os seus destinos próprios, assim como o de tomar as rédeas do destino da humanidade.
Por isso, dirigimos o urgente apelo seguinte a todos os cidadãos, aos movimentos sociais, às redes de movimentos ecologistas e feministas, aos sindicatos e às formações políticas que rejeitem esta cada vez menos democrática e humana Europa neoliberal: 
Manifestai a vossa solidariedade com a resistência grega apoiando, de forma ativa, a Comissão pela Verdade sobre a Dívida Pública Grega e o seu trabalho de identificação das suas parcelas ilegais, ilegítimas, odiosas ou insustentáveis.

Defendei a Comissão dos indignos ataques com que a acossam aqueles que, na Grécia e no resto do mundo, estão interessados em manter oculta a verdade sobre o “sistema-dívida”.
Participai ativamente nos processos de auditoria cidadã da dívida que se estão desenvolvendo em muitos lugares, na Europa e fora dela.
Partilhai nas redes sociais o vosso apoio e solidariedade, pois só semelhantes apoios e solidariedade podem frustrar o plano dos poderes que querem asfixiar a Grécia e o povo que luta contra os nossos inimigos comuns: as políticas de austeridade e a dívida que nos estrangula.
Estamos em confronto com adversários experimentados, unidos, bem coordenados, armados com poderes imensos e totalmente decididos a levar até ao final a sua ofensiva contra todos os que constituímos a esmagadora maioría nas nossas sociedades. Não podemos permitir-nos o luxo de resistir separadamente, cada qual isolado no seu canto. Assim, unamos as nossas forças num vasto movimento de solidariedade com a resistência da Grécia. apoiemos a Comissão pela Verdade sobre a Dívida Pública grega e multipliquemos Comissões semelhantes onde seja possível.
A luta do povo grego é a nossa luta e a sua vitória será a nossa. A nossa união é a nossa força.
Fonte: CADTM 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Guerras silenciosas


Carlos Ayala Ramírez*

Según la Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura (FAO, por sus siglas en inglés), uno de cada cuatro niños menores de cinco años en el mundo padece retraso del crecimiento. Esto significa que 165 millones de niños están tan malnutridos que nunca alcanzarán todo su potencial físico y cognitivo. Aproximadamente, 2 mil millones de personas en el mundo carecen de las vitaminas y minerales esenciales para gozar de buena salud. Unas 1,400 millones de personas tienen sobrepeso; de estas, alrededor de un tercio son obesas y corren el riesgo de sufrir cardiopatías, diabetes y otros problemas de salud. Las mujeres malnutridas tienen más probabilidades de dar a luz a niños con bajo peso, que inician su vida con un riesgo mayor de padecer deficiencias físicas y/o cognitivas. De acuerdo a la FAO, la malnutrición de las madres es una de las principales vías de transmisión de la pobreza de generación en generación.

El hambre y la malnutrición, pues, matan progresivamente a más personas cada año que el sida, la malaria y la tuberculosis juntas. Los datos mundiales siguen siendo dramáticos: 870 millones de personas pasan hambre; las mujeres, que constituyen un poco más de la mitad de la población mundial, representan más del 60% de las personas con hambre; la desnutrición aguda mata cada día a 10 mil niños. Este último dato, por sí mismo, es escandaloso y sería suficiente argumento para transformar de raíz el actual sistema alimentario, cuya inequidad genera más muertes que cualquiera de las guerras actuales. O quizás estamos ante otro tipo de guerra, esta vez silenciosa.

En el caso de El Salvador, de sus 262 municipios, 188 están en el grupo de población con desnutrición media; 28, con alta; y siete, con desnutrición muy alta. El resto aparece en el grupo de baja y muy baja. Si nos atenemos a estos datos, no podemos hablar de hambruna en el país, pero eso no implica desconocer la realidad de miles de familias que siguen sufriendo la angustia y la incertidumbre de la inseguridad alimentaria.

Eduardo Galeano, en su libro Los hijos de los días, habla de las guerras calladas. Denuncia que la pobreza, con todas sus secuelas, no estalla como las bombas ni suena como los tiros, pero igual produce muerte. Y con agudeza crítica señala que “de los pobres, sabemos todo: en qué no trabajan, qué no comen, cuánto no pesan, cuánto no miden, qué no tienen, qué no piensan, qué no votan, en qué no creen. Solo nos falta saber por qué los pobres son pobres. ¿Será porque su desnudez nos viste y su hambre nos da de comer?”.

El 16 de octubre se celebra el Día Mundial de la Alimentación con el propósito de dar a conocer y destacar los problemas relacionados con el hambre. Este año, el lema central es “Sistemas alimentarios sostenibles para la seguridad alimentaria y la nutrición”. Tres son los mensajes centrales enviados al mundo y a los tomadores de decisiones políticas y económicas. Primero, una buena nutrición depende de las dietas saludables; segundo, estas dietas exigen sistemas alimentarios que posibiliten el acceso a alimentos variados y nutritivos; tercero, los sistemas alimentarios saludables solo son posibles con políticas e incentivos concretos y coherentes. Para la FAO, las políticas gubernamentales deben enfrentar directamente las causas de malnutrición, entre las que figuran la insuficiente disponibilidad de alimentos saludables, variados y nutritivos, y el limitado acceso a ellos; la falta de acceso a agua salubre, saneamiento y atención sanitaria; y las formas inapropiadas de alimentación infantil y de dietas de los adultos.

Así, este año se pone énfasis en la malnutrición, más que en el hambre, lo cual supone que se tiene algo qué comer, aunque no sea lo más nutritivo. Supone, además, que el aumento de la producción de alimentos no garantiza por sí sola una nutrición adecuada. Ahora bien, sin menospreciar el valor de este enfoque, hay que tener presente, si se quiere una solución estructural, que el mayor obstáculo para la superación del hambre y la malnutrición en el mundo es la falta de avances en la consecución de un desarrollo equitativo y de medios de vida más sostenibles no solo para los grupos más vulnerables, sino para el conjunto de la sociedad. Y eso pasa, necesariamente, por reducir las enormes disparidades en el mundo y en cada país.

En América Latina, por ejemplo, la brecha entre ricos y pobres ha aumentado. El 20% de la población más rica tiene en promedio un ingreso per cápita casi 20 veces superior al ingreso del 20% más pobre. El hecho de que 47 millones de personas sufran hambre en la región se explica en buena medida por esta concentración de la riqueza tan desigual como injusta. Por otra parte, se afirma que para salvar a los que padecen hambre en el mundo se requieren unos 30 mil millones de dólares anuales. Una cifra pequeña si la comparamos con los gastos militares de Estados Unidos en 2012: 682 mil millones de dólares. Está claro que en el mundo es más importante la seguridad militar que la seguridad alimentaria, los gastos para la guerra que los gastos para la vida. Otra cifra escandalosa la representan las 1,300 millones de toneladas de alimentos que cada año se tiran a la basura en lugar de orientarlas a la reducción del hambre y la malnutrición.

Estos datos sobre hambre, malnutrición, gastos militares, concentración de riqueza y desperdicio de alimentos remiten a muerte, directa o indirectamente. Y en este contexto, resultan proféticas y esperanzadoras las palabras de Jesús de Nazaret: “Dichosos ustedes los que tienen hambre ahora, porque serán saciados… Pero ¡ay! de ustedes los que ahora están saciados, porque van a pasar hambre”. Hay aquí un primer paso para cargar con la realidad de los que pasan hambre y malnutrición: se ha escuchado su clamor y se les ha sacado de su inexistencia haciendo central su situación; condiciones necesarias para decidirse a trabajar por la justicia y poner fin a las guerras silenciosas del presente.

*Director de Radio YSUCA

Fonte: Alai, 15/10/2013

Professores no Brasil estão entre os mais mal pagos em ranking

BBC


O Brasil é o lanterninha em um ranking internacional que compara a eficiência dos sistemas educacionais de vários países, levando em conta parâmetros como os salários dos professores, as condições de trabalho na escola e o desempenho escolar dos alunos.

O ranking é de setembro do ano passado, mas volta à tona no momento em que o governo paranaense aprova uma redução nos benefícios previdenciários dos professores do Estado.

A votação da lei elevou as tensões e levou a um tumulto no qual pelo menos 170 pessoas ficaram feridas após a repressão policial de um protesto de professores em Curitiba. Os professores paranaenses estão em greve desde sábado (25 de abril).

Em São Paulo, professores da rede estadual estão em greve desde 13 de março, reivindicando reajuste salarial e melhores condições de trabalho.

O estudo internacional foi elaborado pela consultoria Gems Education Solutions usando dados dos mais de 30 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e alguns emergentes, como o Brasil.

Nele, o país aparece como um dos últimos em termos de salário pago aos professores, por exemplo.

O valor que os educadores brasileiros recebem (US$ 14,8 mil por ano, calculado por uma média de 15 anos e usando o critério de paridade de poder de compra) fica imediatamente abaixo do valor pago na Turquia e no Chile, e acima apenas de Hungria e Indonésia.

Os salários mais altos são na Suíça (US$ 68,8 mil) e na Holanda (US$ 57,8 mil).

Os professores brasileiros também são responsáveis por mais estudantes na sala de aula: 32 alunos, em média, para cada orientador, comparado com 27 no segundo lugar, o Chile, e menos de 8 em Portugal.

Combinando fatores como estes com o desempenho dos alunos - entre os piores entre os países pesquisados - a consultoria coloca o sistema educacional brasileiro como o mais ineficiente da lista.

"Nossas conclusões sugerem que o Brasil deveria cuidar do salário dos professores para alcançar o objetivo da eficiência educacional", diz o relatório.

Para a consultoria, a meta seria um salário quase três vezes maior que o atual.

Deficiências no gasto

Os dados mais recentes da OCDE mostram as debilidades no gasto educacional brasileiro.

Segundo a organização, o gasto do governo brasileiro com educação cresceu rapidamente desde o ano 2000, atingindo 19% do seu orçamento em 2011 - a média da OCDE foi de 13%.

O gasto público com educação chegou a 6,1% do PIB brasileiro, acima da média da OCDE de 5,6%, e à frente da proporção de outros latino-americanos como Chile (4,5%) e México (5,2%).

Porém, o gasto do Brasil com a educação pública foi o segundo menor de todos os países da OCDE e parceiros - US 3.066, contra uma média de US$ 9.487. O país ficou em 34º no ranking de 35 países da organização.


Fonte: Uol.Educação30/04/2015

As razões do Dia Mundial contra a Monsanto

Em 06/05/2015

Dezenas de países preparam, em 23/5, protesto contra transnacional que, além de atentar contra ambiente e agricultores, envolveu-se com submundo da política e dos exércitos privados.

Por Luã Braga de Oliveira

Você sabia que existe um Dia Mundial Contra a Monsanto? Muitos não conhecem a empresa pelo nome, ou talvez tenham apenas ouvido falar dela, sem saber ao certo seu setor ou posicionamento. Entretanto, quase todo mundo faz uso contínuo de alimentos a base dos organismos geneticamente modificados (OGMs) produzidos e vendidos pela corporação.

O fato é que este ano a Marcha Mundial Contra a Monsanto ocorrerá no dia 23 de Maio e levará milhares de pessoas as ruas, por todo o mundo, para protestar contra a atuação e práticas da corporação. Mas por que existe um dia mundial dedicado exclusivamente à denúncia deste gigante da agroquímica? O que de tão nefasto representa esta empresa? Vamos tentar relembrar os principais fatos da trajetória da Monsanto que a fizeram se considerada pela revista Fortune como “possivelmente a corporação mais temida da América”. Prejuízos aos pequenos agricultores, possíveis danos à saúde e meio ambiente, formação de lobby, manipulação de pesquisas científicas e até a contratação de mercenários são algumas das polêmicas nas quais a empresa se envolveu ao longo de seus 103 anos de existência.

A Monsanto é uma multinacional de alcance global da área de agricultura e biotecnologia. É especializada em engenharia genética (produção de organismos geneticamente modificados), sementes e herbicidas. Criada em 1901 como uma companhia novata na área da engenharia química, aos poucos se tornou a maior empresa do mundo no setor, fornecendo produtos à base de organismos geneticamente modificados para gigantes como a Coca-Cola, a Pepsico e a Kraft. Hoje, controla 90% do mercado de sementes transgênicas do mundo – consagrando-se como um dos maiores monopólios já vistos. O crescimento da empresa foi vertiginoso. Recentemente, ela adquiriu diversas empresas na América do Sul e no Leste Europeu, dominando consistentes fatias de mercado em países como Argentina, México e Brasil – onde está presente há quase 60 anos.

Este crescimento tem representado uma ameaça real à sobrevivência de pequenos produtores em todo o mundo. Em seus contratos de venda de sementes, a Monsanto prevê que os pequenos produtores não poderão guardar nenhuma semente e são obrigados a permitir que a empresa vistorie suas plantações a qualquer momento. Além disso, as sementes geneticamente modificadas são apenas tratadas com os herbicidas vendidos pela própria companhia, fato que condiciona os agricultores à dependência. De todo modo, os impactos dos produtos geneticamente modificados comercializados pela Monsanto vão além da esfera socioeconômica.

Um estudo de 2009 do Journal of Biologycal Science¹ mostrou que o consumo do milho proveniente da semente geneticamente modificada pode produzir efeitos negativos em órgãos como os rins e o fígado. Outro estudo, publicado em 2012 na Food And Chemical Toxicology², constatou que ratos submetidos a uma dieta à base de organismos geneticamente modificados morrem mais rápido e são mais propensos ao desenvolvimento de câncer. Para chegar a esta conclusão, cientistas administraram em 200 ratos, durante dois anos, três dietas distintas: uma à base de milho convencional, outra a base do milho transgênico NK603 e outra a base do NK603 tratado com o herbicida RoundUp. Tanto o milho transgênico NK603 como o herbicida RoundUp (o mais utilizado do mundo) são pertencentes à Monsanto. O resultado foi a morte acelerada de parte dos ratos e o aparecimento de tumores enormes naqueles cuja base da dieta fora o milho transgênico NK603, da Monsanto.

A pesquisa divulgada pela Food And Chemical Toxicology gerou controvérsias. Enquanto recebeu o apoio de diversos cientistas pelo mundo, alguns a criticaram, afirmando que houve viés na metodologia, o número de ratos fora inadequado e aquele tipo de rato de laboratório já possuía propensão ao desenvolvimento de tumores. Após forte pressão, a revista cedeu e, um ano depois, anunciou a retirada do estudo por ela publicado. A decisão, todavia, não agradou ao principal autor da pesquisa – o diretor científico do Comitê para Investigação e Informação Independente sobre Engenharia Genética da França, Gilles-Éric Séralini. O cientista reafirmou que a pesquisa não continha fraudes e que, caso a revista insistisse em sua decisão de retirar a publicação, iria acioná-la judicialmente por danos morais. A despeito da pesquisa de Séralini, outras pesquisas ao longo das décadas já confirmaram em condições similares os efeitos dos organismos geneticamente modificados sobre a saúde humana. Além disso, as empresas que controlam o setor – sobretudo a Monsanto – possuem altos níveis de poder acumulado, que lhes permite interferir em pesquisas e políticas públicas por meio da formação de lobby para benefício de seus produtos.

Dessa forma, o poder econômico acumulado pela Monsanto lançou as bases para um acúmulo significativo de poder político. Executivos da Monsanto foram posicionados em cargos estratégicos do governo dos Estados Unidos — dentre eles, a Agência de Proteção Ambiental [“Environmental Protection Agency”, EPA], o ministério da Agricultura [U.S. Departament of Agriculture”, USDA] e o Comitê Consultivo do Presidente Obama para Política Comercial e Negociações. A Monsanto ainda posicionou funcionários em cargos estratégicos em universidades pelo mundo, dentre elas a South Dakota State University, o Arizona State’s Biodesign Institute e a Washington University. Desde 1980, políticas federais americanas têm incentivado instituições públicas de ensino a produzir pesquisas nas áreas agrícola e de biotecnologia em parceria com empresas privadas. Em consonância com esta política, a Monsanto tem inundado instituições públicas de ensino com investimentos. Em troca, tem seus produtos protegidos e fortalecidos por um arcabouço de pesquisas técnicas e científicas com viés favorável.

Além de cargos no governo e na academia norte-americana, executivos da Monsanto posicionaram-se em cargos em instituições-chave para política alimentar e científica de seu país ou de âmbito internacional, como o “International Food and Agricultural Trade Policy Council”, o “Council for Bitechnology Information”, a “United Kingdom Academy of Medicine”, a “National Academy of Sciences Biological Weapons Working Group”, a “CropLife International” e o “Council of Foreign Relations”.

Naturalmente, as posições privilegiadas alcançadas pela Monsanto renderam-lhe excelentes retornos. Em 1993, a Agência para Alimentação e Medicamentos [Food and Drug Administration”, FDA] dos EUA aprovou o uso de um produto denominado “Hormônio de Crescimento Bovino” [Recombinant Bovine Hormone, ou rBGH]. Desenvolvido pela Monsanto, trata-se de uma droga hormonal injetada em vacas de modo a incentivar a produção de leite. O rBGH foi a primeira substância geneticamente modificada aprovada pelo FDA.

A aprovação foi no mínimo controversa. Estudos apontaram que o rBGH produziria sérios impactos na saúde física e psicológica das vacas. O mais comum deles, a mastite bovina, é tratada com base na administração de antibióticos. A exposição constante das bactérias aos antibióticos contribui para a criação de bactérias resistentes que podem infectar seres humanos. Além disso, alguns estudos também apontaram que o consumo do leite com resíduos do hormônio aumentaria o risco de desenvolvimento de câncer de colo, de mama e de próstata. A substância é proibida nos 27 países da União Europeia, mas graças ao poderoso lobby da Monsanto nos EUA sua utilização é liberada – o que também ocorre no Brasil…

Após a aprovação do uso do rGHB pelo FDA, funcionários ligados à Monsanto que trabalhavam na FDA foram investigados pelo Escritório de Prestação de Contas do Governo [Government Accountability Office” (GAO)] por formação de lobby. O GAO investigou os executivos Michael Taylor, Margaret Miller e Suzanne Sechen. Os três funcionários tiveram ativa participação no desenvolvimento da droga e, posteriormente, exerceram funções na FDA, tornando-se responsáveis pela avaliação e aprovação do produto que ajudaram a desenvolver. Ao fim da investigação, o GAO concluiu que não havia dispositivos legais para incriminar os envolvidos e que não havia provas cabais de conflitos de interesses no caso.

Em 2012, a empresa opôs-se à chamada Proposition 37 – apelidada pelos americanos de Iniciativa pelo Direito a Saber [Right to Know initiative]. A iniciativa propunha-se a promulgar, no estado da Califórnia, uma lei obrigando as empresas que vendessem produtos à base de ingredientes geneticamente modificados a neles instalarem rótulos visíveis alertando para tal fato, evitando assim a venda destes produtos como naturais. Esta iniciativa, no entanto, não passara incólume pelo imenso poder de barganha das grandes indústrias do setor, sendo a Monsanto sua “ponta-de-lança”. Empresas como Nestlé e Mars Inc. despejaram mais de 370 mil dólares em campanha contra o projeto. Só a Monsanto despejou, sozinha, 8,1 milhões de dólares em campanhas contra a iniciativa, estabelecendo-se como doadora majoritária em uma campanha que totalizou 45 milhões de dólares arrecadados de diversas empresas envolvidas na derrubada da proposta. É claro que com todo este empenho a iniciativa não prosperou e os californianos não conquistaram o direito de saber a procedência do alimento estão ingerindo.

No Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou, em 28 abril deste ano, por ampla maioria o Projeto de Lei 4.148/2008³, de autoria do deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que ao contrário da legislação vigente (baseada na Lei 11.105/2005) propõe a não obrigatoriedade da rotulagem de alimentos a base de OGMs.

Para além das polêmicas e controvérsias citadas até agora, a Monsanto ainda guarda em sua história íntimas relações com o poder militar. É fato público e conhecido o fornecimento do famoso Agente Laranja lançado nas plantações do Vietnam pelas forças armadas norte-americanas que guerreavam para manter o país sob dominação. As consequências, entre as populações que serviram de alvo, foram sentidas por muitos anos. O que pouco se sabe é que há indícios de ligações da Monsanto com forças militares mercenárias. A empresa contratou serviços de espionagem de empresas ligadas a conhecida antiga Blackwater (agora XE) – uma das maiores companhias militares privadas do mundo. Segundo documentos obtidos pela revista The Nation4 a empresa usou de serviços oferecidos por duas empresas de espionagem – “Total Intelligence Solutions” e “Terrorism Research Center” – cuja propriedade é do dono e fundador da XE, Eric Prince. Os documentos apontam que entre os serviços prestados à Monsanto por estas empresas estão a infiltração de espiões em movimentos sociais, ONGs e entidades protetoras dos animais e de combate aos transgênicos. Alguns sugerem que esta relação da Monsanto com empresas de espionagem explique o misterioso vírus que atacou os computadores de ativistas da organização “Amigos da Terra” e da “Federação para o Meio Ambiente e Proteção à Natureza” da Alemanha. O ataque se deu no contexto de apresentação de uma pesquisa realizada por estas entidades sobre os efeitos da substância glisofato no corpo humano. O glisofato é base de um dos produtos mais rentáveis vendidos pela Monsanto – o herbicida RoundUp. A empresa afirmou que não teve e jamais teria envolvimento no fato.

O histórico e a atuação da Monsanto no seu setor, considerando todas as polêmicas e controvérsias nas quais a corporação se envolveu, trazem à tona o necessário debate acerca dos custos e benefícios envolvidos no desenvolvimento de organismos geneticamente modificados. Se por um lado a biotecnologia e a agroquímica trouxeram crescente otimização da produção e distribuição de insumos, é necessário refletir acerca das consequências do uso destes insumos, da garantia da liberdade de pesquisa com relação a seus efeitos e principalmente das consequências da extrema concentração deste mercado nas mãos de pouquíssimas corporações. Afinal de contas, como dito, não é todo dia que uma empresa ganha um Dia Internacional de protestos contra si.

A maior parte das informações aqui relacionadas pode ser encontrada no relatório “Monsanto: A Corporate Profile”, da ONG Food & Water Watch. Além disso, o portal “Esquerda.net” possuiu um dossiê completo da empresa e sua atuação pelo mundo. Para os que preferem material audiovisual, existe uma série documentários que tratam de maneira crítica da questão dos transgêncios e das poderosas corporações do setor. São alguns deles eles: “Food Inc”, “The future of Food”, “El Mundo Según Monsanto” e “Seeds of Free”. O site oficial da Marcha Mundial Contra a Monsanto pode ser acessado em: http://www.march-against-monsanto.com/.

REFERÊNCIAS







Leia também:

O lado mais sujo da Monsanto

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

UN MUNDO DE DESASTRES

Mumía Abú-Jamal
7-1-2015

A pasado ya más de una década desde que Estados Unidos empezó su "cruzada" contra las Fuerzas del Mal, en el Oriente, y solo ha conseguido crear desastre tras desastre, y más enemigos que podríamos contar.

Estados Unidos siempre ha apoyado gobiernos en el mundo árabe que podrían pasar por mafiosos y que, por "el derecho divino de los reyes", gobiernan con represión y tortura.

El gobierno norteamericano se llena la boca hablando de democracia, y con la misma facilidad se traga todas esas palabras cuando sus aliados escogidos abusan sin piedad de sus propios pueblos, atacando a sus gentes como si fueran enemigos extranjeros.

Israel ha sido armado y tiene rienda suelta para atormentar a los palestinos y someterlos a los llamados "arreglos de paz", que darían vergüenza a los Vichy Franceses, que fueron colaboradores de los Nazis durante la Segunda Guerra Mundial.

Y aún cuando Estados Unidos ha gastado trillones de morlacos para juntar su manada de "aliados" locales, las cosas hierven como caldera de lava, y las fuerzas sociales de los pueblos se enfurecen con desprecio y odio contra sus gobernantes.

Las cosas no van bien ni el Medio Oriente ni en Estados Unidos, porque las coronas del neo-colonialismo no son bien vistas en las cabezas de los aliados de Norteamérica.

Los billones y cientos de billones desperdiciados; los miles de soldados muertos – también desperdiciados; y las esperanzas desperdiciadas de los invadidos y ocupados, han sido el pago por esta misión descalabrada de "hacer de nuevo el Medio Oriente".

Las guerras tienen un modo de volver a casa, en las formas más inesperadas.

Eso lo acabamos de ver muy trágicamente en Francia.

Quizás nosotros veamos eventos similares aquí en casa, en Estados Unidos.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A fadiga do lulismo, o reformismo impotente

Por Valerio Arcary*
19 DE DEZEMBRO DE 2014
 
“Conheces o marinheiro, quando vem a tempestade”
Sabedoria popular portuguesa
 
“Mais vale ficar vermelho cinco minutos, que amarelo toda a vida”
Sabedoria popular brasileira
  
Eis a questão metodológica central em uma análise marxista: a análise da transformação na correlação de forças social deve orientar a interpretação da mudança nas relações de força eleitorais, e não o contrário.
A correlação de forças não evoluiu, desfavoravelmente, para a classe trabalhadora e os seus aliados depois de junho, embora o resultado das eleições, mesmo com a reeleição de Dilma, tenha sido um castigo para o PT. O reformismo anêmico quase foi derrotado. Confundir os dois processos só pode conduzir a conclusões unilaterais, como aquela que insiste na versão da “onda conservadora”.
A crise do lulismo está revelando um descontentamento crescente de parcelas cada vez mais amplas da classe trabalhadora com os governos de coalizão. A decadência do PT poderá evoluir para uma ruína de toda a esquerda? Sim, pode. Mas está colocada, também, outra possibilidade, muito menos pessimista. A fadiga de frações do proletariado com os limites do lulismo pode favorecer a reorganização da oposição de esquerda.
 
Uma mudança na relação de forças entre as classes
 
Esta mudança nas relações de força tem muitas refrações diferentes, e com peso social diverso: maior divisão burguesa sob a pressão da desaceleração econômica, com frações reposicionando-se por um ajuste fiscal severo, enquanto outras insistem na defesa de um papel regulador mais forte do Estado para defesa da indústria; fortes deslocamentos das classes médias que tendem à polarização, tanto à direita como à esquerda, com o enfraquecimento das posições mais moderadas ao centro; gigantesco desgaste institucional provocado por escândalos de dimensões bíblicas; um relançamento de ativismo sindical que vinha de 2012 e, segundo o DIEESE, se manteve com o maior número de greves desde os anos 1980; um aumento de escala na capacidade de impacto de ocupações de movimentos populares; um relançamento com base de massas ampliada do movimento de mulheres etc.
 
Uma mudança na relação de forças eleitorais
Já em termos eleitorais, se compararmos o mapa eleitoral de 1989 com o de 2014, a votação do PT se inverte: desta vez o PT perde em 15 das 27 capitais do país e na maioria das grandes e médias cidades, incluindo importantes cidades operárias. O PT perdeu em todas as capitais do Sul: Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. Perdeu em quase todas do Sudeste. Ganhou raspando no Rio (50,79% - PT/ 49,21% - PSDB) e perdeu em São Paulo; Belo Horizonte, Vitória. Perdeu nas capitais do Centro-Oeste: Brasília, Goiânia, Cuiabá, Campo Grande. No Norte, perdeu em Belém, Rio Branco, Porto Velho, Palmas e Boa Vista. Em São Paulo, o PT perdeu não apenas na capital, mas também na maioria das grandes cidades, como Campinas, Santos e São José dos Campos e também no antes chamado cinturão vermelho, ou seja, em quase toda a Grande São Paulo (Santo André, São Bernardo, Guarulhos, Osasco). O PT ganhou em todas as capitais do Nordeste e também cidades importantes do Rio, como na Baixada Fluminense (Caxias e Nova Iguaçu) e São Gonçalo. Mas, no resultado geral, o PT ganhou nas cidades menores: 2.528 municípios dos 3.879 com até 15 mil eleitores. Também ganhou nos municípios pequenos (entre 15 e 75 mil eleitores) – 882 dos 1.418. E perdeu em 100 das 179 cidades médias com mais de 75 mil eleitores, em 46 das 77 cidades entre 200 mil e 900 mil eleitores; e em 7 das 12 maiores cidades do Brasil.
 
Junho de 2013 é a chave para uma interpretação marxista
 
Qual deve ser a principal conclusão da conquista, muito apertada, de um quarto mandato pelo PT? É possível discernir um vínculo entre junho de 2013 e outubro de 2014? Junho desafiou a estabilidade político-social ao colocar nas ruas milhões de jovens, pela primeira vez nos últimos doze anos, e isso foi grandioso.
Mesmo se avaliada a intervenção manipuladora dos meios de comunicação. Mesmo quando considerada a ação de provocadores de extrema-direita. Mesmo que ponderada a ação ultra-esquerdista dos black blocks. As aspirações democráticas (denúncia do papel repressivo da polícia e denúncia da corrupção) e a reivindicação de direitos sociais como a educação, a saúde e o transporte públicos eram justas e necessárias.
O mais importante, contudo, é que parece estar em curso uma transformação essencial na relação dos batalhões mais concentrados da classe trabalhadora com o lulismo e o governo. Iniciou-se uma ruptura de massas, na escala de muitas dezenas de milhões, de setores do proletariado com o PT. Essa relação de confiança prevaleceu por trinta anos, ou seja, o intervalo de uma geração. Chamamos a este processo o princípio do fim do lulismo. Aqueles que caracterizam este processo como onda conservadora, impressionados pela votação de Aécio em grandes centros operários, estão sobrevalorizando um dos aspectos da nova situação.
Este processo de ruptura com o PT está sendo, como seria previsível, muito desigual, porque muito maior no Sul e Sudeste do que no Norte e Nordeste do país. Mas pode ser muito progressivo, se vier a confirmar-se uma maior disposição de luta e resistência do proletariado. Sem o desmoronamento do velho, o novo não pode surgir. Os ritmos dos dois processos não são os mesmos. Mas a crise da autoridade do PT abre a possibilidade de fortalecimento de novos instrumentos de luta, para ir além da CUT e da Força Sindical, nos grandes sindicatos ainda sob influência da burocracia sindical. E favorece a aceleração da reorganização da esquerda.
O processo de crise do lulismo poderá ser revertido em um quarto mandato do governo de coalizão liderado pelo PT? Ou se aprofundará, em consequência das medidas de ajuste e austeridade previstas? Qual das dinâmicas político-sociais prevalecerá? Maior ativismo sindical e resistência política da classe trabalhadora? Desgaste do lulismo diante das concessões do segundo governo Dilma às pressões da classe dominante? Fortalecimento da oposição de esquerda? Ou um realinhamento político face ao governo, como no giro anti-Aécio que assistimos no segundo turno de 2014?
 
A crise do lulismo
A crise do lulismo está condicionada, como todo fenômeno complexo, por muitos fatores. Entre muitos outros, a estagnação econômica, a inflação crescente, a corrosão da corrupção endêmica, a ruína de mais de uma década de políticas social-liberais, a transição demográfica (uma nova geração adulta que não viveu os anos 80), além da impotência diante de uma agenda de reivindicações amplas contra as opressões (legalização do aborto, criminalização da homofobia, equidade para afrodescendentes). Dependerá, por exemplo, dos posicionamentos que o novo governo venha a ter diante dos ultimatos de frações burguesas que exigem um superávit primário mais alto, a redução de gastos públicos, a contenção salarial etc. Mas dependerá, também, da capacidade da oposição de esquerda de responder ao processo de reorganização por baixo que já começou nos locais de trabalho.
A hipótese central deste artigo é que o mais determinante, de junho de 2013 a outubro de 2014, parece ter sido o efeito síntese de uma lenta acumulação de mal estar social: a mudança da relação social de forças entre as classes. Maior inquietação burguesa, oscilações febris da classe média e o nível mais elevado de atividade grevista são indicadores consistentes. É na estrutura da sociedade que encontraremos a chave para a análise dos deslocamentos na superestrutura. A temperatura político-social do país está mais alta, porque aumentou a ansiedade, a apreensão, a aflição de todas as classes, inseguras diante do futuro, e preocupadas em não perder as posições anteriores. Esta dinâmica explica o início de uma polarização mais intensa que apareceu na campanha eleitoral.
O governo Dilma já tinha sido atingido pelas ondas de choque de junho de 2013 e saiu mais frágil das eleições de 2014. A estabilidade do regime democrático, uma das principais conquistas da solidez da dominação política desde 1994/95, foi desequilibrada por junho de 2013. As eleições de 2014 foram uma confirmação de que uma nova situação se abriu: o tsunami da candidatura Marina Silva; a recuperação da oposição burguesa com Aécio; o impacto da audiência minoritária, porém, importante das candidaturas da esquerda socialista, especialmente, de Luciana Genro pelo PSOL; a reação de massas aos discursos homofóbicos e machistas das candidaturas da extrema-direita; e a montanha russa do segundo turno.
Se a crise do lulismo favorecerá ou não uma reorganização pela esquerda é algo ainda incerto, que será decidido pela luta de classes, mas é possível. Os quase dois milhões de votos na esquerda socialista através do PSOL, PSTU e PCB não são senão uma pequena parcela da audiência que foi conquistada entre a juventude e o proletariado. Mas é isso que esteve em disputa, tanto em junho de 2013 quanto em 2014.
 
O que está em disputa não é o destino do governo Dilma
É isso que esteve e permanecerá em disputa, não o destino do governo Dilma. A nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda, de Nelson Barbosa para o Planejamento, e a permanência de Tombini no Banco Central, com a missão de tranquilizar os investidores, não permite qualquer dúvida de que a orientação do governo Dilma para o quarto mandato do governo do PT será de austeridade contra os trabalhadores. Ainda assim, a classe dominante elevará o tom de exigências sobre Brasília.
O que não significa concluir que a crise do lulismo será uma evolução linear, e à esquerda, da consciência média dos trabalhadores, como ficou claro pelo papel de Marina Silva no primeiro turno de 2014, e pelo fortalecimento do PSDB e crescimento de Aécio Neves durante o segundo turno. Mesmo que deformadamente, a votação sinaliza a fadiga de uma parcela ampla da classe trabalhadora com o lulismo. A votação não permite concluir que prevaleceu o desejo de continuidade.
Dilma se apresentou como a protagonista de um novo governo para poder vencer. Tampouco autoriza conclusões sobre o arraste de uma “onda conservadora”. Aécio precisou se mascarar, e defendeu até o fim do fator previdenciário que atormenta e adia a aposentadoria dos trabalhadores. Mesmo se é verdade que a oposição de direita saiu reforçada das eleições, também é significativo um fenômeno novo: ainda que minoritária, a extrema-direita “saiu do armário”, mais desafiadora que em junho de 2013.
 
Diretas já, Fora Collor, Junho de 2013
 
Um pouco de perspectiva histórica nos ajuda a compreender as relações entre junho de 2013 e outubro de 2014. Não se deve julgar um processo de luta pelos seus resultados imediatos. Em 1984, quando das Diretas Já, na fase final da luta contra a ditadura militar, a campanha mobilizou algo em torno de oito milhões de pessoas, que correspondiam a 20% da população economicamente ativa. Foi a maior mobilização política da história da nação, mas dirigida pelo PMDB de Tancredo, Ulysses e Montoro, e o PDT de Brizola.
O resultado das Diretas Já foi paradoxal: derrotou o governo Figueiredo, mas não foi capaz de derrubar a ditadura. José Sarney, o último presidente da Arena/PDS, acabou sendo o primeiro presidente do regime democrático, sem que tivessem ocorrido eleições. O programa das Diretas Já era estritamente democrático-liberal, e os trabalhadores estiveram nas ruas sem uma plataforma de reivindicações próprias. O PT ocupou um papel de codireção, subordinado à liderança burguesa, mas foi nesse processo que Lula e o PT se consolidaram como a referência nacional de esquerda.
Relembrar as Diretas Já pode ser útil para contextualizarmos o hiato, a defasagem, ou a discrepância, muito comum na história, entre as enormes energias liberadas em processos de luta de massas e as esperanças por elas despertadas, e os seus resultados. As Diretas Já foram uma campanha progressiva, porque colocaram em movimento milhões de pessoas, até então politicamente inativas, em choque direto contra a ditadura militar no poder por vinte anos.
Já a eleição da chapa Tancredo Neves/José Sarney no Colégio Eleitoral foi uma usurpação reacionária, mas efêmera, das ilusões populares. O prestígio inicial do governo Sarney, que se proclamou, ostensivamente, como Nova República foi como fogo de palha: brilhou intensamente, mas por pouco tempo. Entre 1987 e 1989, o Brasil conheceu a onda grevista mais importante de toda a sua história. E Lula foi para o segundo turno nas primeiras eleições presidenciais, derrotando Brizola, para terminar sendo vencido por Collor.
Em junho de 2013, depois de mais de dez anos de governos liderados pelo PT, uma explosão espontânea levou algo em torno a pelo menos dois milhões de pessoas às ruas em protestos com reivindicações, essencialmente ou somente democráticas, mas que merecem ser comparados com as mobilizações de 1984. Ou, também, com as mobilizações pelo Fora Collor em 1992, que culminaram com o impeachment de Collor.
Entretanto, ao contrário de 1984 e 1992, desta vez, em 2013, nenhum aparelho político teve papel significativo. Por serem acéfalas, as mobilizações de 2013 não foram menos significativas. Ao contrário, foram, talvez, mais impressionantes, por isso mesmo. No intervalo de poucas semanas, todos os governos e instituições do regime passaram, em graus diferentes de desconfiança, por um sério questionamento.
Em 2013, as ruas foram ocupadas pela juventude assalariada com maior instrução, em sua maioria precarizada em empregos de salários baixos. Os batalhões mais maduros do proletariado estiveram ausentes, embora apoiassem. As tentativas de unir junho com o movimento organizado dos trabalhadores em dois dias de greve nacional sob um programa de reivindicações com um corte de classe mais definido, embora fossem a perspectiva mais animadora, foram insatisfatórias. Dilma Rousseff venceu as eleições, apesar de junho. Mas as eleições de 2014 confirmaram o desgaste do governo de coalizão nas grandes cidades do país, onde se concentra o proletariado. Se 1984 marcou a ascensão do PT à força política nacional, 2013 sinalizou a decadência do lulismo, confirmada nas urnas de 2014.
 
A classe trabalhadora não é a mesma de trinta anos atrás
O que nos remete à análise do que mudou. O Brasil de 2014 é um país muito diferente do Brasil de trinta anos atrás. Nunca o país conheceu um intervalo histórico de regime democrático-liberal tão longo. Poucas sociedades contemporâneas viveram, em intervalo histórico tão breve, transformações tão significativas. O Brasil duplicou o seu PIB e a sua população nesses trinta anos. Mas esses dois indicadores, que evoluíam nas décadas anteriores aos anos 1980, aceleradamente, passaram a ter dinâmicas muito mais lentas.
O Brasil da alvorada do século 21 é agora uma nação com crescimento lento, que caiu da média histórica em torno de 7% ao ano para algo inferior a 2,5%, e a taxa de fecundidade desabou de mais de 5% para menos de 2%. A desaceleração econômica foi compensada, parcialmente, pela transição demográfica, mas isso não impediu que a desigualdade social, embora tenha sofrido oscilações nesses trinta anos, já que aumentou nos anos 1990 e caiu nos anos 2000, não tenha diminuído de forma significativa. O Brasil permaneceu, essencialmente, depois de três décadas de regime democrático-eleitoral, um país ainda entre os mais injustos.
Essa perspectiva histórica é indispensável para atribuir sentido à avalanche de mobilizações de junho de 2013, e aos resultados eleitorais de 2014. Sem compreendê-los, será impossível interpretar as transformações que o país viveu nesses trinta anos. A hipótese central deste texto é que estes dois processos estão relacionados, e revelam que os limites políticos da influência do lulismo, ou seja, a corrente político eleitoral que governa o Brasil nos últimos doze anos, são hoje muito grandes. O PT perdeu as eleições nas maiores cidades do país, onde se concentra a maioria dos trabalhadores. Essa massa assalariada, que votava em esmagadora maioria no lulismo até 2010 e não o fez em 2014, mudou, também, em muitas outras dimensões. Há uma nova classe trabalhadora no Brasil. Ela nunca foi, proporcionalmente à população economicamente ativa, tão grande, tão concentrada e tão instruída.
Este proletariado pode ir além do lulismo. Sua disposição de luta poderá favorecer uma reorganização pela esquerda. Se encontrar uma esquerda capaz de responder ao desafio histórico de ir além do eleitoralismo. Porque as lutas decisivas são aquelas que o futuro nos reserva, não as que ficaram para trás.
 
Nota:
Foram contabilizadas 86,9 mil horas paradas em 2012. Há, neste indicador, a confirmação de uma tendência de aumento nas horas paradas que vem sendo percebida mais claramente desde 2009. A série histórica também revela que o total anual de horas não trabalhadas em 2012 é o maior desde 1991 - www.dieese.org.br/balancodasgreves, consulta em outubro 2014.
 
*Valério Arcary é professor titular aposentado do IFSP.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

“Transformamos problemas cotidianos em transtornos mentais”

Catedrático emérito da Universidade Duke comandou a redação da ‘bíblia’ dos psiquiatras

Estamos tão doentes para consumir tantos ansiolíticos?


Allen Frances neste mês, em Barcelona. / JUAN BARBOSA

Allen Frances (Nova York, 1942) dirigiu durante anos o Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM), documento que define e descreve as diferentes doenças mentais. Esse manual, considerado a bíblia dos psiquiatras, é revisado periodicamente para ser adaptado aos avanços do conhecimento científico. Frances dirigiu a equipe que redigiu o DSM IV, ao qual se seguiu uma quinta revisão que ampliou enormemente o número de transtornos patológicos. Em seu livro Saving Normal (inédito no Brasil), ele faz uma autocrítica e questiona o fato de a principal referência acadêmica da psiquiatria contribuir para a crescente medicalização da vida.

Pergunta. No livro, o senhor faz um mea culpa, mas é ainda mais duro com o trabalho de seus colegas do DSM V. Por quê?

Resposta. Fomos muito conservadores e só introduzimos [no DSM IV] dois dos 94 novos transtornos mentais sugeridos. Ao acabar, nos felicitamos, convencidos de que tínhamos feito um bom trabalho. Mas o DSM IV acabou sendo um dique frágil demais para frear o impulso agressivo e diabolicamente ardiloso das empresas farmacêuticas no sentido de introduzir novas entidades patológicas. Não soubemos nos antecipar ao poder dos laboratórios de fazer médicos, pais e pacientes acreditarem que o transtorno psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução. O resultado foi uma inflação diagnóstica que causa muito dano, especialmente na psiquiatria infantil. Agora, a ampliação de síndromes e patologias no DSM V vai transformar a atual inflação diagnóstica em hiperinflação.

P. Seremos todos considerados doentes mentais?

R. Algo assim. Há seis anos, encontrei amigos e colegas que tinham participado da última revisão e os vi tão entusiasmados que não pude senão recorrer à ironia: vocês ampliaram tanto a lista de patologias, eu disse a eles, que eu mesmo me reconheço em muitos desses transtornos. Com frequência me esqueço das coisas, de modo que certamente tenho uma demência em estágio preliminar; de vez em quando como muito, então provavelmente tenho a síndrome do comedor compulsivo; e, como quando minha mulher morreu a tristeza durou mais de uma semana e ainda me dói, devo ter caído em uma depressão. É absurdo. Criamos um sistema de diagnóstico que transforma problemas cotidianos e normais da vida em transtornos mentais.

P. Com a colaboração da indústria farmacêutica...

“Não soubemos nos antecipar ao poder dos laboratórios de criar novas doenças”

R. É óbvio. Graças àqueles que lhes permitiram fazer publicidade de seus produtos, os laboratórios estão enganando o público, fazendo acreditar que os problemas se resolvem com comprimidos. Mas não é assim. Os fármacos são necessários e muito úteis em transtornos mentais severos e persistentes, que provocam uma grande incapacidade. Mas não ajudam nos problemas cotidianos, pelo contrário: o excesso de medicação causa mais danos que benefícios. Não existe tratamento mágico contra o mal-estar.

P. O que propõe para frear essa tendência?

R. Controlar melhor a indústria e educar de novo os médicos e a sociedade, que aceita de forma muito acrítica as facilidades oferecidas para se medicar, o que está provocando além do mais a aparição de um perigosíssimo mercado clandestino de fármacos psiquiátricos. Em meu país, 30% dos estudantes universitários e 10% dos do ensino médio compram fármacos no mercado ilegal. Há um tipo de narcótico que cria muita dependência e pode dar lugar a casos de overdose e morte. Atualmente, já há mais mortes por abuso de medicamentos do que por consumo de drogas.

P. Em 2009, um estudo realizado na Holanda concluiu que 34% das crianças entre 5 e 15 anos eram tratadas por hiperatividade e déficit de atenção. É crível que uma em cada três crianças seja hiperativa?

R. Claro que não. A incidência real está em torno de 2% a 3% da população infantil e, entretanto, 11% das crianças nos EUA estão diagnosticadas como tal e, no caso dos adolescentes homens, 20%, sendo que metade é tratada com fármacos. Outro dado surpreendente: entre as crianças em tratamento, mais de 10.000 têm menos de três anos! Isso é algo selvagem, desumano. Os melhores especialistas, aqueles que honestamente ajudaram a definir a patologia, estão horrorizados. Perdeu-se o controle.

P. E há tanta síndrome de Asperger como indicam as estatísticas sobre tratamentos psiquiátricos?

R. Esse foi um dos dois novos transtornos que incorporamos no DSM IV, e em pouco tempo o diagnóstico de autismo se triplicou. O mesmo ocorreu com a hiperatividade. Calculamos que, com os novos critérios, os diagnósticos aumentariam em 15%, mas houve uma mudança brusca a partir de 1997, quando os laboratórios lançaram no mercado fármacos novos e muito caros, e além disso puderam fazer publicidade. O diagnóstico se multiplicou por 40.

P. A influência dos laboratórios é evidente, mas um psiquiatra dificilmente prescreverá psicoestimulantes a uma criança sem pais angustiados que corram para o seu consultório, porque a professora disse que a criança não progride adequadamente, e eles temem que ela perca oportunidades de competir na vida. Até que ponto esses fatores culturais influenciam?


“Os seres humanos sobrevivem há milhões de anos graças à capacidade de confrontar a adversidade”

R. Sobre isto tenho três coisas a dizer. Primeiro, não há evidência em longo prazo de que a medicação contribua para melhorar os resultados escolares. Em curto prazo, pode acalmar a criança, inclusive ajudá-la a se concentrar melhor em suas tarefas. Mas em longo prazo esses benefícios não foram demonstrados. Segundo: estamos fazendo um experimento em grande escala com essas crianças, porque não sabemos que efeitos adversos esses fármacos podem ter com o passar do tempo. Assim como não nos ocorre receitar testosterona a uma criança para que renda mais no futebol, tampouco faz sentido tentar melhorar o rendimento escolar com fármacos. Terceiro: temos de aceitar que há diferenças entre as crianças e que nem todas cabem em um molde de normalidade que tornamos cada vez mais estreito. É muito importante que os pais protejam seus filhos, mas do excesso de medicação.

P. Na medicalização da vida, não influi também a cultura hedonista que busca o bem-estar a qualquer preço?

R. Os seres humanos são criaturas muito maleáveis. Sobrevivemos há milhões de anos graças a essa capacidade de confrontar a adversidade e nos sobrepor a ela. Agora mesmo, no Iraque ou na Síria, a vida pode ser um inferno. E entretanto as pessoas lutam para sobreviver. Se vivermos imersos em uma cultura que lança mão dos comprimidos diante de qualquer problema, vai se reduzir a nossa capacidade de confrontar o estresse e também a segurança em nós mesmos. Se esse comportamento se generalizar, a sociedade inteira se debilitará frente à adversidade. Além disso, quando tratamos um processo banal como se fosse uma enfermidade, diminuímos a dignidade de quem verdadeiramente a sofre.

P. E ser rotulado como alguém que sofre um transtorno mental não tem consequências também?

R. Muitas, e de fato a cada semana recebo emails de pais cujos filhos foram diagnosticados com um transtorno mental e estão desesperados por causa do preconceito que esse rótulo acarreta. É muito fácil fazer um diagnóstico errôneo, mas muito difícil reverter os danos que isso causa. Tanto no social como pelos efeitos adversos que o tratamento pode ter. Felizmente, está crescendo uma corrente crítica em relação a essas práticas. O próximo passo é conscientizar as pessoas de que remédio demais faz mal para a saúde.

P. Não vai ser fácil…

R. Certo, mas a mudança cultural é possível. Temos um exemplo magnífico: há 25 anos, nos EUA, 65% da população fumava. Agora, são menos de 20%. É um dos maiores avanços em saúde da história recente, e foi conseguido por uma mudança cultural. As fábricas de cigarro gastavam enormes somas de dinheiro para desinformar. O mesmo que ocorre agora com certos medicamentos psiquiátricos. Custou muito deslanchar as evidências científicas sobre o tabaco, mas, quando se conseguiu, a mudança foi muito rápida.

P. Nos últimos anos as autoridades sanitárias tomaram medidas para reduzir a pressão dos laboratórios sobre os médicos. Mas agora se deram conta de que podem influenciar o médico gerando demandas nos pacientes.

R. Há estudos que demonstram que, quando um paciente pede um medicamento, há 20 vezes mais possibilidades de ele ser prescrito do que se a decisão coubesse apenas ao médico. Na Austrália, alguns laboratórios exigiam pessoas de muito boa aparência para o cargo de visitador médico, porque haviam comprovado que gente bonita entrava com mais facilidade nos consultórios. A esse ponto chegamos. Agora temos de trabalhar para obter uma mudança de atitude nas pessoas.

P. Em que sentido?

R. Que em vez de ir ao médico em busca da pílula mágica para algo tenhamos uma atitude mais precavida. Que o normal seja que o paciente interrogue o médico cada vez que este receita algo. Perguntar por que prescreve, que benefícios traz, que efeitos adversos causará, se há outras alternativas. Se o paciente mostrar uma atitude resistente, é mais provável que os fármacos receitados a ele sejam justificados.

P. E também será preciso mudar hábitos.

R. Sim, e deixe-me lhe dizer um problema que observei. É preciso mudar os hábitos de sono! Vocês sofrem com uma grave falta de sono, e isso provoca ansiedade e irritabilidade. Jantar às 22h e ir dormir à meia-noite ou à 1h fazia sentido quando vocês faziam a sesta. O cérebro elimina toxinas à noite. Quem dorme pouco tem problemas, tanto físicos como psíquicos.

Fonte: El País, 27 SEP 2014